"Eu canto em português errado. Acho que o imperfeito não participa do passado" (R.R)

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23 de novembro de 2010

Refém

A quase certeza da perda daquilo que nunca teve o afligia. O quase mais do que a perda e mais do que nunca ter tido. O quase era o emblema. Era a não certeza, a falta de indício a corrosão de tudo. Encontrava-se num calabouço, inerte. Do pouco que lhe era tátil, pingos e o eco. Sequer movia-se para encontrar resposta e o resultado era a dúvida, onde imperavam o quase, a perda e o nunca ter tido.
Questionava a venda nos olhos com uma pergunta óbvia e rebatia com outra mais (óbvia) ainda e assim oscilava com uma frequência incrível até chegar a conclusão nenhuma. Então esgotava-se o ânimo dos questionamentos e ele aceitava aquela configuração.
Voltava ao quase, à perda e ao nunca ter tido.
Continuava refém. Talvez do quase, da perda e do nunca ter tido ou talvez, e mais provável, refém de si - o que parece pior. Um cárcere privado onde era ele o refém e o algoz. Só não sabia talvez onde havia deixado a chave, ou com qual habilidade havia feito os nós em sua venda. Esquecera-se por desleixo, por consequência ou por pura conveniência e nem do motivo lembrava.
Restavam os pingos e o eco e naquela posição tão pouco confortável, acomodara-se e passara a crer que era música.
Continuava refém. Até quando quisesse.
Era incômodo. Ele mesmo, aquela sensação, o quase e a narração disso tudo. Mas ainda assim ele continuava refém e contrariando qualquer indício factual de que estava errado, apresentava como argumento tão somente a resistência. Poderia estar liberto ha tempos. Encontraria resposta e distinguiria com clareza o que se passava, mas apegara-se ao quase. Estimava aquela sensação do início. Não lhe parecia mais incômoda, porém reconhecia que era extremamente nociva e ainda assim lhe bastava.
Continuava refém.

3 comentários:

  1. Eu não tenho a quase certeza, mas sim a mais certa com certeza de que esse texto me fez de refém e passei horas o lendo várias vezes, porque a minha admiração também se tornou refém das suas palavras em que nele estão contidas.
    ^^
    Puxa! Como vc escreve bem!
    Abraços blogosféricos!
    may

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  2. Estou aqui para deixar o meu sentimento de apreço por este blog, e avisar-lhe que ainda hoje estarei jogando rosas, pelas janelas do meu quarto. Afinal, mulheres gostam de Rosas. Fique com Deus.

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  3. Ótimo texto, Jéssica! ^^

    Abraços.

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