"Eu canto em português errado. Acho que o imperfeito não participa do passado" (R.R)

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22 de dezembro de 2010

Natal por L.F Verissimo


Enfim uma brecha para um post, e logo nas buchas do natal. Sem alguma idéia que me parecesse suficientemente boa ou diferente para a ocasião, meu consolo foi ler o texto abaixo, de L.F. Verissimo. Queria uma forma mais original de falar dessa época, então recorri a ele. Bom natal!

NATAL

Luis Fernando Veríssimo

Natal é uma época difícil para cronistas. Eles não podem ignorar a data e

ao mesmo tempo não há mais maneiras originais de tratar do assunto.

Os cronistas, principalmente os que estão no métier há tanto tempo, que

ainda usam a palavra métier – já fizeram tudo que havia para fazer com o

Natal. Já recontaram a história do nascimento de Jesus de todas as formas:

versão moderna (Maria tem o bebê numa fila do SUS), versão coloquial ("Pô,

cara, aí Herodes radicalizou e mandou apagá as pinta recém-nascida, baita

mauca"), versão socialmente relevante (os três reis magos são detidos pela

polícia a caminho da manjedoura, mas só o negro precisa explicar o que tem

no saco) versão on-line (jotace@salvad.com.bel conta sua vida num chat sitc),

etc.

Papai Noel, então, nem se fala. Eu mesmo já escrevi a história do casal

moderno que flagra o Papai Noel deixando presentes sob a árvore de Natal,

corre com o Papai Noel e não conta nada da sua visita para o filho porque

querem criá-lo sem qualquer tipo de superstição várias vezes.

Poucos cronistas estão inocentes de inventar cartas fictícias com pedidos

para o Papai Noel: patéticas (paz para o mundo, bom senso para os

governantes), políticas ("Só mais um mandato e eu juro que acerto, ass.

Fernando") ou práticas ("Algo novo para escrever sobre o Natal, por amor de

Deus!").

Já fomos sentimentais, já fomos amargos, já fomos sarcásticos e

blasfemos, já fomos simples, já fomos pretensiosos – não há mais nada a

escrever sobre o Natal! Espera um pouquinho. Tive uma idéia. Uma reunião de

noéis! Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel. Acho que sai alguma coisa.

Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel estão reunidos... onde? Na mesa

de um bar? Papai Noel não freqüenta bares para não dar mau exemplo. Pelo

menos não com a roupa de trabalho. No Pólo Norte? Noel Coward,

acostumado com o inverno de Londres, talvez agüentasse, mas Noel Rosa

congelaria. Não interessa onde é o encontro. Uma das primeiras lições da

crônica é: não especifica. Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel estão reunidos

em algum lugar. Os três conversam.

Noel Rosa – Ahm... Sim... Hmm...

Noel Rosa diz o quê?

Noel Rosa – E então?

Noel Coward e Papai Noel se entreolham. Papai Noel cofia a barba.

Ninguém sabe, exatamente, o que é "cofiar", mas é o que Papai Noel faz, enquanto Noel Coward olha em volta com evidente desgosto por estar em

algum lugar. Preferia estar em outro. A todas essas eu penso em alguma coisa

para eles dizerem.

Noel Roas (tentando de novo) – E aí?

Papai Noel – Aqui, na luta.

Noel Coward – What?

Esquece. Não há mais nada a escrever sobre o Natal.

Salvo isto, se dão vênia: que seu Natal em nada lembre o da Chechênia.

Que suas meias se encham de metais vis desde que não sejam guaranis.

Que sob a árvore enfeitada o grande embrulho com seu nome seja...

Meu Deus, a Paola pelada!

Que em nenhum momento do rebu alguém faça piada com o tamanho do

peru.

Que em alegre bimbalhada os sinos anunciem ao mundo que está saindo

a rabanada.

E cantem os anjos, a capela que o Cristo vai nascer assim que acabar a novela.

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